Para tirar 36 milhões de pessoas
da pobreza, era necessário saquear uma nação inteira, inclusive os tais 36
milhões que saíram para voltar mais pobres?
Por Augusto
Nunes, 30/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Valentina de Botas
As esquerdas
brasileiras não falham: o PSOL pediu o impeachment de Temer. Ivan Valente, um
dos fundadores do PT que pediu o impeachment de todos os presidentes no Brasil redemocratizado,
deixou de lado o recalque autoritário do infantilizado “Fora, Temer” e
protocolou na Câmara o recalque autoritário infantilizado do impeachment sem
causa. Sabemos que Temer teve de formar seu ministério em alguns dias, a coisa
foi meio atrapalhada e polêmica: ausência de mulheres, extinção e recriação do
Minc, Jucá, etc. Quando ninguém queria assumir o Minc, eu me ofereci para
ocupar a pasta com base no principal requisito exigido naquelas circunstâncias:
sou mulher.
Claro que gestão pública,
políticas culturais e tal são outras coisas de que nada entendo, mas
capacitação técnica era uma exigência inédita até então; além disso, eu
aplicaria a lição de Padre Vieira: para conseguir efeitos grandes e levar a
cabo empresas dificultosas, mais segura é uma ignorância bem aconselhada do que
uma ciência presumida. Assim, me cercaria de quem entende tudo. O fato é que
Marcelo Calero foi para o Minc e o resto é história. Nessa história, não gostei
da conduta do Calero, detestei a de Geddel e me incomodou a de Temer: se a
recomendação do Iphan foi mantida e se (se!) o presidente não tentou mudá-la,
para que essa gritaria, Calero? E gravar o presidente é coisa de polícia
política e pode ser crime; Geddel precisa aprender que as instituições não
estão aí para servi-lo, o ex-ministro fez uma truculenta homenagem ao
patrimonialismo – verdadeiro aleijão na alma e no corpo do Estado brasileiro;
Temer não precisa ser autoritário ou mal-humorado, tratar subalternos aos
gritos ou aos pitos para mostrar quem manda, mas um pouco mais de assertividade
lhe faria bem: que chamasse os dois ministros para uma reunião a três e mandar
parar com a patuscada.
Nas esquerdas e na
extrema direita, os asnos tocam lira para o impeachment sem causa e, de
repente, 2018 parece muito distante. O imbróglio serviu para as esquerdas
voltarem a se preocupar com a ética. Fazia quase 14 anos que elas estavam
anestesiadas para picuinhas burguesas como os pruridos éticos. Nesse período, o
país contemplou perplexo a revelação do mais espetacular esquema de corrupção
moral, institucional e política – além do roubo colossal e inédito, comandado
pelo PT e que pode levar para a cadeia ou acabar com a carreira política de
meio mundo, sem que as esquerdas, de dentro do histórico pragmatismo moral que
justifica quaisquer meios quando o fim é o poder, saíssem do torpor ético. Mas
bastou (mais) um erro – por enquanto é somente isso, e não um crime – de Temer
para que fizessem o que sabem fazer: revanchismo, oportunismo, vigarice e a
mais solene indiferença quanto ao que é melhor para o país.
Convictas arrogantes de
que têm uma espécie de reserva no mercado dos sonhos, as esquerdas democráticas
são apenas equivocadas, mas as latino-americanas – atrasadas e ainda presas ao
entulho revolucionário – exercem esse pragmatismo moral que releva o roubo, a
fraude e o assassinato em favor do processo revolucionário. Nesse pragmatismo
que as faz radicais se assemelham a todos os radicais – de direita, fanáticos
religiosos, terroristas e congêneres. Nas homenagens a Fidel Castro, monstruoso
como qualquer ditador, nos artigos na imprensa e outras manifestações de, sei
lá, admiração, afeição, gratidão, vi um relativismo moral entristecedor. Por
tudo o que li, vi e ouvi, antes e depois da morte tardia do facínora, não consigo
compreender como o fuzilamento de 17 mil pessoas e a responsabilidade pela
morte de pelo menos 80 mil pode ser o meio mais eficaz para se expandir ou
melhorar a educação e a saúde pública, duas das “conquistas” mais citadas nos
textos elegíacos.
Guardadas as
proporções, para tirar 36 milhões de pessoas da pobreza, era necessário saquear
uma nação inteira, inclusive os tais 36 milhões que saíram para voltar mais
pobres? Não. Os expurgos nas universidades, o extermínio físico e/ou
moral da dissidência, o fim da liberdade de imprensa, a instituição de uma
polícia política, a opressão contra os homossexuais (uma “degenerescência”
atribuída à sociedade capitalista)… falo da revolução cubana, mas tirando o
último ingrediente do pesadelo, poderia ser o nosso golpe militar de 1964, a
marcha insana de Maduro, a de Putin, de Stálin, Pinochet, etc. Excetuando
Maduro, que é só um psicopata bisonho e bufão, cada um dos protagonistas dessas
trevas tinha um sonho também, fizeram tudo guiados por um ideal, um sonho, uma
missão, inspiração ou algo assim.
Mas é aos ditadores de
esquerda com sua eficiente propaganda personalista, sobretudo quando morrem ou
estão vulneráveis como Lula está, e aos governos de esquerda, que é permitido
sonhar até a última vítima, explorando esta espécie de reserva de mercado.
Fidel tinha um sonho? Morreu aos 90 anos, matando para tiranizar em paz, mas
sem descobrir que a essência do que sonhou é um pesadelo.
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