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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Nas esquerdas e na extrema-direita, os asnos tocam lira para o impeachment sem causa



Para tirar 36 milhões de pessoas da pobreza, era necessário saquear uma nação inteira, inclusive os tais 36 milhões que saíram para voltar mais pobres? 

Por Augusto Nunes, 30/11/2016,
 www.veja.com.br

Texto de Valentina de Botas

As esquerdas brasileiras não falham: o PSOL pediu o impeachment de Temer. Ivan Valente, um dos fundadores do PT que pediu o impeachment de todos os presidentes no Brasil redemocratizado, deixou de lado o recalque autoritário do infantilizado “Fora, Temer” e protocolou na Câmara o recalque autoritário infantilizado do impeachment sem causa. Sabemos que Temer teve de formar seu ministério em alguns dias, a coisa foi meio atrapalhada e polêmica: ausência de mulheres, extinção e recriação do Minc, Jucá, etc. Quando ninguém queria assumir o Minc, eu me ofereci para ocupar a pasta com base no principal requisito exigido naquelas circunstâncias: sou mulher.

Claro que gestão pública, políticas culturais e tal são outras coisas de que nada entendo, mas capacitação técnica era uma exigência inédita até então; além disso, eu aplicaria a lição de Padre Vieira: para conseguir efeitos grandes e levar a cabo empresas dificultosas, mais segura é uma ignorância bem aconselhada do que uma ciência presumida. Assim, me cercaria de quem entende tudo. O fato é que Marcelo Calero foi para o Minc e o resto é história. Nessa história, não gostei da conduta do Calero, detestei a de Geddel e me incomodou a de Temer: se a recomendação do Iphan foi mantida e se (se!) o presidente não tentou mudá-la, para que essa gritaria, Calero? E gravar o presidente é coisa de polícia política e pode ser crime; Geddel precisa aprender que as instituições não estão aí para servi-lo, o ex-ministro fez uma truculenta homenagem ao patrimonialismo – verdadeiro aleijão na alma e no corpo do Estado brasileiro; Temer não precisa ser autoritário ou mal-humorado, tratar subalternos aos gritos ou aos pitos para mostrar quem manda, mas um pouco mais de assertividade lhe faria bem: que chamasse os dois ministros para uma reunião a três e mandar parar com a patuscada.

Nas esquerdas e na extrema direita, os asnos tocam lira para o impeachment sem causa e, de repente, 2018 parece muito distante. O imbróglio serviu para as esquerdas voltarem a se preocupar com a ética. Fazia quase 14 anos que elas estavam anestesiadas para picuinhas burguesas como os pruridos éticos. Nesse período, o país contemplou perplexo a revelação do mais espetacular esquema de corrupção moral, institucional e política – além do roubo colossal e inédito, comandado pelo PT e que pode levar para a cadeia ou acabar com a carreira política de meio mundo, sem que as esquerdas, de dentro do histórico pragmatismo moral que justifica quaisquer meios quando o fim é o poder, saíssem do torpor ético. Mas bastou (mais) um erro – por enquanto é somente isso, e não um crime – de Temer para que fizessem o que sabem fazer: revanchismo, oportunismo, vigarice e a mais solene indiferença quanto ao que é melhor para o país.

Convictas arrogantes de que têm uma espécie de reserva no mercado dos sonhos, as esquerdas democráticas são apenas equivocadas, mas as latino-americanas – atrasadas e ainda presas ao entulho revolucionário – exercem esse pragmatismo moral que releva o roubo, a fraude e o assassinato em favor do processo revolucionário. Nesse pragmatismo que as faz radicais se assemelham a todos os radicais – de direita, fanáticos religiosos, terroristas e congêneres. Nas homenagens a Fidel Castro, monstruoso como qualquer ditador, nos artigos na imprensa e outras manifestações de, sei lá, admiração, afeição, gratidão, vi um relativismo moral entristecedor. Por tudo o que li, vi e ouvi, antes e depois da morte tardia do facínora, não consigo compreender como o fuzilamento de 17 mil pessoas e a responsabilidade pela morte de pelo menos 80 mil pode ser o meio mais eficaz para se expandir ou melhorar a educação e a saúde pública, duas das “conquistas” mais citadas nos textos elegíacos.

Guardadas as proporções, para tirar 36 milhões de pessoas da pobreza, era necessário saquear uma nação inteira, inclusive os tais 36 milhões que saíram para voltar mais pobres?  Não. Os expurgos nas universidades, o extermínio físico e/ou moral da dissidência, o fim da liberdade de imprensa, a instituição de uma polícia política, a opressão contra os homossexuais (uma “degenerescência” atribuída à sociedade capitalista)… falo da revolução cubana, mas tirando o último ingrediente do pesadelo, poderia ser o nosso golpe militar de 1964, a marcha insana de Maduro, a de Putin, de Stálin, Pinochet, etc. Excetuando Maduro, que é só um psicopata bisonho e bufão, cada um dos protagonistas dessas trevas tinha um sonho também, fizeram tudo guiados por um ideal, um sonho, uma missão, inspiração ou algo assim.

Mas é aos ditadores de esquerda com sua eficiente propaganda personalista, sobretudo quando morrem ou estão vulneráveis como Lula está, e aos governos de esquerda, que é permitido sonhar até a última vítima, explorando esta espécie de reserva de mercado. Fidel tinha um sonho? Morreu aos 90 anos, matando para tiranizar em paz, mas sem descobrir que a essência do que sonhou é um pesadelo.

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