O ministro “A” discorda do
ministro “B” não porque vê as leis de outra maneira, mas porque os dois são
inimigos pessoais, políticos ou ambas as coisas ao mesmo tempo
Por Augusto
Nunes, 08/12/2016,
www.veja.com.br
Texto de J. R. Guzzo
Um país pode ter certeza de que está a caminho de
grande confusão – ou, talvez, até de que já tenha chegado lá – quando começam a
se repetir na vida pública situações nas quais é preciso escolher entre o
errado e o errado. É um erro um ministro do Supremo Tribunal Federal tomar uma
decisão considerada flagrantemente ilegal pela maioria dos colegas; fica pior
ainda quando se trata de uma contribuição consciente à desordem política. É um
erro que a direção do Senado Federal se recuse a respeitar a decisão tomada, e que
seis ministros da mais alta corte de justiça do Brasil concordem com o ato de
desobediência. O que está valendo nessa história, afinal das contas? Quem fala
primeiro? Quem fala mais alto? Eis aí, na prática, o preço que os brasileiros
estão pagando por uma realidade que se torna cada vez mais alarmante: o STF
deixou de funcionar como um tribunal de justiça. Tornou-se, para efeitos
práticos, um ajuntamento de onze indivíduos que se separam uns dos outros não
por pensarem de modos diferentes sobre a lei, mas por que têm interesses
pessoais contraditórios entre si. São onze ilhas que não formam um arquipélago.
Um ministro da suprema corte brasileira, hoje em
dia, equivale àquele tipo de evento natural que cai na categoria dos
chamados fenômenos irresponsáveis – raio, chuva, terremoto. São coisas que
acontecem, simplesmente, sem controle nenhum por parte de quem sofre os seus
efeitos; é certo, apenas, que todos pagam, assim como a população paga pelos
repentes de um grupo de cidadãos que têm poder de mais e responsabilidade de
menos. Ultimamente deram para governar o país, sem ter recebido um único voto,
sem a obrigação de prestar contas por nada do que fazem e sem correr, jamais, o
mínimo risco de perderem seus cargos. Como o poder executivo e legislativo foi
desmoralizado até o seu último átomo pela corrupção, a incompetência e a
vadiagem, o STF cresceu de uma maneira doentia, e completamente desproporcional
à sua capacidade de gerir conflitos. Já seria suficientemente ruim se o
Supremo, com todas as suas disfunções, agisse dentro de mecanismos racionais,
coerentes e previsíveis. Mas não é assim, como se comprova com freqüência cada
vez maior. As decisões do STF podem ser qualquer coisa. O que é feito num caso
não é feito em outro igual – ou tão parecido que não dá para saber a diferença.
O que está valendo hoje pode não estar valendo amanhã. O ministro “A” discorda
do ministro “B” não porque vê as leis de outra maneira, mas porque os dois são
inimigos pessoais, políticos ou ambas as coisas ao mesmo tempo; um acha que o
outro simplesmente não tem o direito de estar no cargo. Falam em
“principialogia axiomática”, “egrégio sodalício” ou “ofício judicante”, como se
esse tipo de dialeto revelasse sabedoria; conseguem, apenas, ser
incompreensíveis.
Perde-se, como resultado disso, tanto o senso de
decência como o respeito à lei. Será mais fácil um camelo passar pelo buraco de
uma agulha, como na Bíblia, do que encontrar alguém a favor de Renan Calheiros
entre os brasileiros que de alguma forma se importam com política ou questões
da vida pública. É um tipo humano que praticamente só se encontra no Senado
Federal e no STF. Um bode expiatório, afinal das contas, muitas vezes vale
tanto quanto uma boa explicação – e Renan, com os onze processos que tem no
lombo e todo o restante do seu repertório, é uma figura praticamente perfeita
para o povo odiar. Mas quem está disposto, do mesmo jeito, a apontar algum
herói entre os gatos pingados que votaram contra ele no Supremo? Situações de
erro contra erro em geral não contêm inocentes.
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