Em vez de um governador e um presidente, Leandro dos Santos viu dois
reizinhos nus
Por Augusto
Nunes, 21/11/2016,
www.veja.com.br
Caprichando no sorriso de aeromoça e na voz de
seminarista que furta o vinho do padre, Lula lê no vídeo acima, gravado na
campanha eleitoral de 2010, o texto produzido por um marqueteiro a serviço de
Sérgio Cabral. (Prudente, o redator não incluiu um único plural na lengalenga
costurada para explicar por que o governador do Rio merecia ficar no emprego
mais quatro anos). “É tão bom cuidar dos pobres… Eu acho que o Sérgio está
fazendo isso com muito carinho”, recita Lula na largada.
Na primeira escala, estaciona no olhar do
candidato: “É o olhar fraterno, é o olhar generoso, sabe?”. Desce dois palmos e
para no peito: “É a pessoa trabalhar um pouco com o coração”. Faz a meia
volta e regressa à região ocular: “O Sérgio é pura emoção, o Sérgio parece
durão, mas eu já vi ele lacrimejar os olhos muitas vezes falando do povo do Rio
de Janeiro”, garante Lula antes do fecho em dilmês castiço: “Eu acho que o povo
precisa de gente assim e ninguém, ninguém trata com a alma que o Sérgio trata
as pessoas”.
Um homem público desse quilate é raridade que não
se pode desperdiçar, reincide o palanque ambulante no vídeo abaixo. “Votá no
Sérgio Cabral é quase que um compromisso moral, ética, político”, adverte o
torturador da verdade e do idioma. “É um compromisso de honra pra quem quer
garanti um futuro melhor para o nosso filho, para os nossos netos, para aqueles
que a gente ama”. Não é pouca coisa.
Mas não é tudo, informa o resto do falatório. “Esse
homem já provô qui é um homem de bem, qui é um homem que gosta do Rio, que é um
homem qui tem competência pra fazê as coisa que os outros não fizeram”, afirma
Lula, que em seguida se volta para Sérgio Cabral e, olho no olho, arremata a
patuscada: “Por isso, meu cumpanhero Sérgio, si eu não tivesse qui votá em São
Paulo, eu iria transferi o meu título pra votá em você pra governadô do Rio de
Janeiro”.
Conversa fiada, berra o vídeo divulgado pelo blog
do Ricardo Gama e aqui republicado em 8 de agosto de 2010, no início da
campanha que terminaria com a reeleição do candidato que o chefão tentou
promover a santo protetor dos desvalidos. Em apenas 73 segundos, a farsa é
implodida pela altivez de Leandro dos Santos, um menino negro e miserável que
não se assustou com o show de prepotência, vulgaridade, demagogia, intolerância
e safadeza eleitoreira protagonizado por Lula e Sérgio Cabral.
Em vez da favela-maravilha que a dupla fingia ver
em Manguinhos, o garoto sem medo continuou vendo o que vê quem, como ele,
morava numa região batizada de “Faixa de Gaza”. Em vez de um presidente da
República e um governador de Estado, enxergou dois reizinhos pateticamente nus.
Repreendido por Lula, que pontuava cada frase com um “porra!”, não recuou.
Insultado por Cabral, que o chamou de “malandragem”, “otário” e “sacana”,
avisou que tinha nome. E gravou tudo.
O brasileiro Leandro dos Santos é o grande ausente
do noticiário sobre as bandalheiras em que se meteram os dois estadistas de
botequim. É preciso saber o que ele achou da prisão de Sérgio Cabral, ou também
se pergunta o que espera a Justiça para instalar Lula em alguma cadeia. É
preciso sobretudo lembrar-lhe que até no faroeste à brasileira os bandidos
perderam no fim.
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