Deonísio da Silva conta também
por que a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono
Por Augusto
Nunes, 13/11/2016,
www.veja.com.br
De onde vêm as palavras
O brasileiro é bonzinho. Fala com humor, raramente
com raiva, dos grandes mentirosos. E adotou figuras e provérbios inocentes,
como o do título, para falar de mentirosos que muitos prejuízos deram e dão ao
povo.
Em outras culturas, a mentira é punida com mais
rigor, inclusive na memória popular. Um dos grandes provérbios é: mendax et furax (mentiroso e ladrão), dá conta de
que “quem mente, rouba”. E, em traduções diversas, espalhou-se por muitas
línguas.
Pinóquio deu cara (de pau) à mentira e é seu
personagem-símbolo. A cada nova mentira, maior fica seu nariz. Pergunte ao Google,
o oráculo de Delfos de nosso tempo, quais são os maiores mentirosos do mundo.
Há números-símbolos para tudo: Sete Maravilhas do Mundo Antigo, Dez Pragas do
Egito, Quatro Virtudes Cardeais, Sete Pecados Capitais etc. Mas o número dos
Pinóquios, como o do Outro, é Legião.
Pinóquio é conhecido em todo o planeta, mas, à
semelhança de Sherlock Holmes, poucos sabem quem é seu autor. Pois ele foi
inventado por Carlo Collodi, pseudônimo do jornalista e escritor italiano Carlo
Lorenzi, filho de um cozinheiro e de uma dona de casa. Bem-humorado e
sarcástico, tinha grande interesse por temas políticos e por isso foi muito
perseguido e censurado.
Em fins do século XIX, na mesma época em que
Machado de Assis publicava Memórias Póstumas de Brás Cubas (em
capítulos, na Revista Brasileira), Carlo Collodi publicava (também em
capítulos, no Jornal para as Crianças), História de um Boneco,
primeiro título de As Aventuras de Pinóquio.
Todavia o provérbio é mais antigo. Veio originalmente
do Grego e chegou a muitas línguas, inclusive ao Português, depois de uma
escala no Italiano: le bugie hanno le gambe corte (as mentiras têm as pernas
curtas).
O provérbio indica que as mentiras, como as de
Pinóquio, logo são descobertas. Flagrado na primeira mentira, o mentiroso
contumaz inventa a segunda, depois outra, mais outra, enfim dezenas, centenas,
milhares. Mas outro ditado, vindo de Portugal, avisa: “a esperteza, quando é
muita, vira bicho e come o dono”. Ela já devorou muitos brasileiros e está
devorando outros mais. Pais e filhos, e maridos e mulheres já foram presos
juntos. Há outros seguindo o mesmo caminho.
O brasileiro médio lê pouco e por isso guarda mais
facilmente na memória frases e provérbios que tenham rimas ou versos curtos. Pois
ele raramente leu o que repete. Ele apenas ouviu. Ou guardou na memória a
ilustração que viu e se lembra da frase famosa. Pode ser uma foto ou um
desenho. Ou uma cena da televisão, que faz do jornalismo atual um folhetim por
cujos capítulos todos esperam ansiosamente. Até o desfecho.
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